Saudades do Céu

Sôbolos rios que vão

por Babilónia, me achei,

Onde sentado chorei

as lembranças de Sião

e quanto nela passei.

Ali, o rio corrente

de meus olhos foi manado,

e, tudo bem comparado,

Babilónia ao mal presente,

Sião ao tempo passado.

 

Ali, lembranças contentes

n’alma se representaram,

e minhas cousas ausentes

se fizeram tão presentes

como se nunca passaram.

Ali, depois de acordado,

co rosto banhado em água,

deste sonho imaginado,

vi que todo o bem passado

não é gosto, mas é mágoa.

 

Mas ó tu, terra de Glória,

se eu nunca vi tua essência,

como me lembras na ausência?

Não me lembras na memória,

senão na reminiscência.

Que a alma é tábua rasa,

que, com a escrita doutrina

celeste, tanto imagina,

que voa da própria casa

e sobe à pátria divina.

 

Não é, logo, a saudade

das terras onde nasceu

a carne, mas é do Céu,

daquela santa Cidade,

donde esta alma descendeu.

 

Ditoso quem se partir

para ti, terra excelente,

tão justo e tão penitente

que, despois de a ti subir,

lá descanse eternamente.

 

– Luís Vaz de Camões